sábado, 21 de fevereiro de 2015

Flâneur



Meu celular despertara uma hora antes do necessário, talvez tivesse sido prova da minha constante falta de atenção. Coisas do tipo me faziam questionar minha lucidez. Comecei a caminhar pelas ruas de uma cidade adormecida recentemente. Não sabia o motivo ainda, nunca gostei de caminhar e preferia uma boa noite de sono a uma vida saudável. Mesmo assim, continuei caminhando. A maioria das lojas estava fechada, os carros ainda não faziam tanto barulho e eu vagava sozinha pelas calçadas menos habitadas. Andei três quadras e parecia não pensar no caminho de volta porque continuei. Passado um tempo, eu senti  um cheiro maravilhoso de pão fresco, daqueles saídos do forno. Geralmente não havia tempo para pão na minha vida, eu acordava tão atrasada que mal tomava um café. Mas hoje não, hoje tudo era diferente. Persegui o cheiro arrasador até exatos oito quadras da minha casa. Era uma padaria simples; tinha apenas um balcão ao fundo, e três mesinhas no máximo.  
Sentei-me em uma delas; um rapaz sonolento e meio confuso com a minha presença veio perguntar meu pedido. Eu sorri do modo mais cativante que pude e disse-lhe o que queria. Ele anotou de modo seco e disse que já traria; continuei com o mesmo sorriso e lhe disse obrigada, só estava com ciúmes da minha disposição, coisa que eu estaria daqui a alguns dias. Olhei meu relógio e ainda faltava muito pra hora da faculdade, tornei a olhar as pessoas na rua. Havia um homem de bigode engraçado e de camisa de corrida; ele corria. Também havia uma senhora que tentava a todo custo atravessar a rua, mas, era impelida, ora por seu cachorro, ora pelo trânsito. Eu ri. O rapaz voltou trazendo exatamente o que eu pedi; eu sorri mais uma vez, na esperança de tê-lo retribuído. Ao invés disse recebi um frio “quer mais alguma coisa”. Uma água, eu disse. Nesse instante eu pude perceber as marcas de fadiga em suas costas mal posicionadas e suas olheiras profundas de uma noite mal dormida. Não sorri mais, tentei transparecer em meu olhar toda a compreensão possível e toquei em sua mão.
Ele parou um instante assustado e sorriu pra mim saindo em seguida. Fiquei feliz com aquele gesto, me pareceu sincero. Fiquei agradecida pelo meu dia flâneur, por poder reparar nas pessoas mais do que elas dizem. Em seguida, ele me trouxe a água e a conta; eu paguei. Quando eu estava indo percebi um papel colado no fundo da garrafa que dizia numa escrita simples, um obrigado. Saí daquele lugar tendo certeza de que faria aquilo por muitos mais dias.

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