Se de algum jeito isso é
possível, acordei com uma vontade imensa de sentir a brisa do mar. Olhar um por
do sol quente, laranja e distante, que levasse consigo as fatídicas recordações
de uma vida de privações. Não que fosse uma reclamação, aprendi por meio delas
e me tornei bem mais do que achei que seria. Eu queria que aquela vontade se
transformasse num dia memorável, em que apenas a minha presença e o som das
ondas batendo fossem o suficiente. Olhei
o amanhecer enquadrado na janela do quarto e me privei mais uma vez da
realização de um desejo. Cheguei à estação ainda em tempo de ver um senhor de
terno preto e bigode num tom de grisalho que acabara de pisar numa enorme poça
de água acumulada. Seus sapatos e a metade de sua calça ficaram completamente
molhados. Ainda percebi quando voltou do caminho que veio, provavelmente atrás
de uma muda de roupa, esbravejando contra o que só podia ser sua falta de
atenção. No geral, é no mínimo um
despertador de estranheza quando nos vemos em um dia atípico, mas, ultimamente,
me sentia ainda mais presa quando a rotina me alcançava. Dias assim nos fazem
pensar nas nossas decisões e na tendência de se deixar esvair aos poucos.
Sentia-me
complexa naquela manhã, de um modo negativo. Meus pais são pessoas simples, do
tipo que guardam documentos importantes na gaveta da sala; ao mesmo tempo são
pessoas boas, do tipo que abdicam de coisas em prol da paz. Não havia certeza alguma
na complexidade, parecia o tipo de adjetivo que sufoca todos os outros e eu
queria ser mais, precisava ser mais. Então era meio óbvio que antes de tudo
deveria tentar, ao menos, ser simples e a brisa do mar parecia um bom jeito de
começar. Entretanto o caminho do trabalho me fez pensar nele e na agenda do
dia. Existiam reuniões, planejamentos e estatísticas. Não havia muitos
arrependimentos em relação ao que eu havia escolhido, no momento só me lembrava
de um: não haver tempo algum para admirar o sol de sempre dar lugar à lua de
sempre.
Peguei um
lugar no meio da grande mesa enquanto a reunião já começava e ouvi o
palestrante dizer um cumprimento tão amargo quanto o café que eu tinha na mão.
“A perspectiva da empresa diante da crise financeira” era o tema e eu deveria
estar participando mais do que estava. Anotava no meu caderno a letra da última
coisa que ouvira no caminho, tentando disfarçar minha indiferença à discussão
que se seguira. O sol entrou entre as frestas de uma cortina que tentava a todo
custo manter a escuridão e me tocou na sua mais profunda fineza de espírito. Eu
me levantei, tomei minhas coisas pela mão e joguei toda a amargura fora,
inclusive o café. Fui atrás da minha brisa do mar.
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