terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

De algum jeito é possível



          Se de algum jeito isso é possível, acordei com uma vontade imensa de sentir a brisa do mar. Olhar um por do sol quente, laranja e distante, que levasse consigo as fatídicas recordações de uma vida de privações. Não que fosse uma reclamação, aprendi por meio delas e me tornei bem mais do que achei que seria. Eu queria que aquela vontade se transformasse num dia memorável, em que apenas a minha presença e o som das ondas batendo fossem o suficiente.  Olhei o amanhecer enquadrado na janela do quarto e me privei mais uma vez da realização de um desejo. Cheguei à estação ainda em tempo de ver um senhor de terno preto e bigode num tom de grisalho que acabara de pisar numa enorme poça de água acumulada. Seus sapatos e a metade de sua calça ficaram completamente molhados. Ainda percebi quando voltou do caminho que veio, provavelmente atrás de uma muda de roupa, esbravejando contra o que só podia ser sua falta de atenção.  No geral, é no mínimo um despertador de estranheza quando nos vemos em um dia atípico, mas, ultimamente, me sentia ainda mais presa quando a rotina me alcançava. Dias assim nos fazem pensar nas nossas decisões e na tendência de se deixar esvair aos poucos.
Sentia-me complexa naquela manhã, de um modo negativo. Meus pais são pessoas simples, do tipo que guardam documentos importantes na gaveta da sala; ao mesmo tempo são pessoas boas, do tipo que abdicam de coisas em prol da paz. Não havia certeza alguma na complexidade, parecia o tipo de adjetivo que sufoca todos os outros e eu queria ser mais, precisava ser mais. Então era meio óbvio que antes de tudo deveria tentar, ao menos, ser simples e a brisa do mar parecia um bom jeito de começar. Entretanto o caminho do trabalho me fez pensar nele e na agenda do dia. Existiam reuniões, planejamentos e estatísticas. Não havia muitos arrependimentos em relação ao que eu havia escolhido, no momento só me lembrava de um: não haver tempo algum para admirar o sol de sempre dar lugar à lua de sempre.
Peguei um lugar no meio da grande mesa enquanto a reunião já começava e ouvi o palestrante dizer um cumprimento tão amargo quanto o café que eu tinha na mão. “A perspectiva da empresa diante da crise financeira” era o tema e eu deveria estar participando mais do que estava. Anotava no meu caderno a letra da última coisa que ouvira no caminho, tentando disfarçar minha indiferença à discussão que se seguira. O sol entrou entre as frestas de uma cortina que tentava a todo custo manter a escuridão e me tocou na sua mais profunda fineza de espírito. Eu me levantei, tomei minhas coisas pela mão e joguei toda a amargura fora, inclusive o café. Fui atrás da minha brisa do mar.

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