quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Azul turquesa

                Sentei-me à mesa perto da janela, sentindo o vento frio balançar meu cabelo mal preso. O garçom me trouxe o cardápio e não pude deixar de ouvir a conversa que se seguia atrás de mim. Uma mulher de meia idade conversava com uma jovem. A senhora era perfumada e vestia um terno básico, profissional; suas mãos enrugadas gesticulavam enquanto defendia a sua tese e suas joias balançavam a cada ponto dela. A jovem, ao contrário, parecia não concordar com nada que senhora dizia, entretanto, a conversa era elegante e ninguém jamais a julgaria como briga. Pedi o almoço, que foi trazido com uma rapidez incontestável. A senhora comentava sobre superioridade dos romances em relação aos textos popularmente conhecidos como autoajuda.  As pessoas adoram historias e subestimam o poder dos textos. Elas preferem um conto a mensagens; talvez se sintam ofendidas com as criticas que as segundas trazem e respeitem a lição de moral que o primeiro representa. Afinal, é muito mais fácil se ver livre de acusações quando se lê um texto em terceira pessoa. Pensei tudo isso enquanto ainda participava mentalmente da discussão.
                 As meninas se levantaram para ir e eu quase as parei para compartilhar minha opinião, mas não o fiz. Ao invés disso, formulei diversos exemplos de como livros de autoajuda podem servir de consolo. Talvez essa tenha sido a maior demanda da minha vida, consolo. Deixei de olhar vagamente pela janela e vi o cachecol de uma delas na mesa da frente. Levantei e o peguei. Era azul turquesa, uma das minhas cores favoritas. Sai do restaurante e as alcancei duas quadras dali. O cachecol era da senhora e ela gentilmente me agradeceu. Eu deveria ter dito um simples "tudo bem" mas, as sentenças seguintes complementaram meus pensamentos da conversa anterior. Ela sorriu e disse no tom mais terno possível que eu a tinha convencido. A jovem, que agora andava um pouco mais adiante, nos olhava incessantemente. A senhora  abriu a bolsa e prosseguiu, me mostrando um livro: "É da minha filha, ela é escritora. É um romance." Eu pude entender, um pouco tarde, que estava errada em julgá-lá. Caminhei até a jovem, sorri, me apresentei e disse a ela que a senhora estava certa, os romances são insuperáveis. Seu olhar confuso acompanhou um meio sorriso.
                Despedi-me de ambas e fiquei parada na rua, olhando meu novo livro. Parecia bom, como qualquer outro. Abri-o e na primeira página pude ver o motivo da tese defendida; " Para minha mãe querida, com todo amor". O livro parecia melhor agora, como nenhum outro. Fui desprendida dos meus pensamentos pelo grito de um garçom me dizendo sem paciência que eu havia esquecido da conta.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Poema à um amigo

Que a vida seja mais que amarga
Que possamos ser otimistas e tenhamos esperança pelo que há de vir
Acredite nela pois, são poucas as chances nos dadas
E não existe nada melhor do que sentir

Deixe-se ir, só pra variar
Por mais que seu jeito seja racionalizar
Não que precise se perder, estou tentando fazer você entender
Que sempre existe um jeito mais fácil da vida encarar

Torne a sorrir, mesmo que a situação não seja favorável
Porque o mundo precisa de um ser amável
Meu grande amigo, concentre-se no que foi feito e esqueça-se do que poderia ter sido
Porque você é capaz de a todos cativar com apenas seu grande sorriso, Vitor

P.S: Poema especial para o meu grande amigo, Vitor Reis. Que torne sua semana mais doce, meu amor !

sábado, 10 de janeiro de 2015

O beijo, de Gustav klimt




Ela escrevia em um pequeno caderno que tinha na capa um dos quadros mais famosos de Gustav Klimt, o beijo. Lembrei-me de visitar o museu e ter visto aquele mesmo; não havia gostado. Entretanto, ele assumia um caráter delicado quando sua mão seguia os contornos daquele caderno. A obra se tornou a mais linda quando o fato de talvez ser o seu preferido me veio à cabeça. Vasculhei em mim todo e qualquer tipo de informação que tinha sobre ele, mas, não alcancei nada que a mente de uma fã não saiba. No entanto existiam outras possibilidades; se a agenda fosse um presente seria mais fácil de encantá-la. Um menino passou correndo e levou com ele o meu olhar. Era mais um dia no parque e o vento balançava o seu cabelo enquanto corria da bronca da mãe. Por uns instantes me senti aquele menino. Costumava ser visitante frequente daquele lugar, por mais que existisse mais de dois anos que não.  
Saí de casa pensando no caso arquivado que teria que lidar quando chegasse ao trabalho. Peguei minha pasta, comprei um café, liguei para o meu chefe. Eu vi um grupo de meninos correndo com suas bicicletas em direção ao parque e aquela visão despertou em mim o desejo de visitá-lo. Foi a decisão mais bem tomada dos últimos dois anos, pensei, ainda reparando em cada detalhe do seu vestidinho florido e do seu caderno/obra de arte. O menino passou correndo pro outro lado e a tirou da minha visão. Fechei os olhos e senti a brisa. Quando voltei o olhar, ela não estava mais lá. Era pedir demais que depois de todos esses anos, eu encontrasse o amor assim. Eu levantei, quase atropelando o menino corredor, e vi o caderninho jogado na grama.
Eu caminhei até ele, sentei onde ela havia sentado e abri o caderno. Eu podia sentir o cheiro do seu perfume emanando do caderno e das folhas. Folhei o caderno e vi que ela estava escrevendo um poema; algo sobre um cara apressado que vinha passar o dia no parque. Ele era como eu, e talvez fosse sobre mim. No começo do caderno havia um nome, um telefone e muita expectativa.   

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Página de um diário

         Precisava saber se era verdade, mesmo agora não tendo diferença. Quando alguma coisa acaba é normal se esperar pelo começo de uma nova. No entanto,  o que ninguém nunca diz é que talvez você machuque alguém; talvez você duvide das promessas feitas e dos seus próprios sentimentos. Sempre ouvi falar muito bem do amor, mas confesso que nunca tinha pensado no fato dele ser finito. Como se fosse fácil amar a pessoa certa, ou melhor, como se fosse fácil achá-la. A insatisfação sobre a falta de realidade nos contos de fadas é um assunto meio ultrapassado e eu não quero me deter a eles. As crianças tem a necessidade de sonhar e na maioria das vezes a vida ensina direito, nos faz crescer. Não que pra isso os sonhos devam ser descartados; simplesmente passamos a sonhar atos possíveis, realizáveis.          
           A vida nos torna práticos e isso é bom, até certo ponto. Existem os fatos e traçamos culpados, como detetives, como se existisse uma explicação sempre, como se sempre existisse alguém pra culpar. Confesso que  durante muito tempo eu me senti completamente responsável por todos os meus relacionamentos caídos. Entretanto, alguém muito especial e nem tão presente quanto eu gostaria, me explicou uma coisa bastante óbvia. Ela cantou com toda a doçura que podia, e com certeza essa é sua principal marca: "um amor de verdade é feito canção, qualquer coisa assim, que tem seu começo, seu meio e seu fim." Talvez ela não saiba o quanto esse pedaço de musica me fez bem e talvez esse texto sirva pra informá-la. A questão é que não há a razão que impeça você de recomeçar, de se permitir sentir novamente.
             Não que seja um texto de autoajuda, mas, que desse espaço você leve um conselho; a vida é lotada de segundas chances e se deixar abrir mão de opções em função de outras faz parte dela.  



segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

A princesa e o sapo



Os dois tinham cabelos castanhos e olhos da mesma cor
Eram estudiosos, ingênuos e não sabiam nada sobre o amor
E isso era tudo que tinham em comum
A opinião do público, no entanto, era outra
Imaginavam o casal perfeito e os dois sendo um

A menina se apaixonou pela ideia de ser amada
E se viu dentro de um casal infundado; que tonta, ela não tinha se apaixonado
Quando percebeu era tarde demais
O sapo já era príncipe
E ela, princesa não mais.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Dia especial



Eu fingi que não ouvi aquela cantada barata. Ainda era cedo demais para aquele tipo de comportamento e mesmo que fosse tarde ela não funcionaria. Virei o rosto e olhei a janela; o dia estava lindo demais para estar repleto de salas fechadas. Ele começou a cantarolar um pedaço de uma musica calma que parecia conhecida. E me olhava, a cada nota, um assobio e uma súplica nos olhos, que riam da minha ingenuidade talvez. Virei os meus em um sinal de total desprezo por aquele ato e ele riu alto. Contorci-me de raiva, o ônibus já estava cheio e estar sentada, mesmo que do lado dele, era um privilégio para poucos. O som tornou a ser soprado dessa vez na forma de versos – “Se alguém já te deu a mão e não pediu mais nada em troca, pense bem, pois é um dia especial”. Era um idiota com ótimo gosto musical, pensei.
Ele parou e fechou os olhos. E eu fiz o mesmo, pensando no seu sorriso e na forma como ele proclamava aqueles versos, tanta propriedade que se assemelhava ao próprio Tiago. Sua barba mal feita me trazia à lembrança o desleixo de uma criança. Peguei-me cantando a mesma musica; “O amor é maior que tudo, do que todos, até a dor se vai quando o olhar é natural”. Aqueles olhos fitaram uma versão minha totalmente assustada com a própria imaturidade. Ele riu e de maneira contestadora levantou a sobrancelha. Nada precisou ser dito pra que eu entendesse aquela provocação e pela primeira vez no dia quis rir. Nesse momento, a barreira final foi quebrada quando ele tocou minha mão e perguntou numa sutileza sem tamanho se eu não me lembrava dele.
Vasculhei em cada esquina do meu turbilhão de memórias e encontrei o menino mais doce que ele podia ser. Perdi-me nas inúmeras vezes em que brincamos e no tanto que compartilhamos. A sua partida havia quebrado minha expectativa de um dia encontrá-lo assim. Como pude me esquecer daqueles olhos castanhos tão profundos e sinceros, aquele riso frouxo; como consegui me esquecer daquele sorriso. Meus olhos se encheram de lágrimas, e ignorando a sua mão estendida me atirei no abraço mais saudoso dos meus anos. Entre o choro eu pude ouvir um “me desculpe” triste e terno. E eu apenas respondi “eu te amo”. 

P.S: "Dia especial", a música citada durante o texto, é do Tiago Iorc. Segue o link: https://www.youtube.com/watch?v=y0wzDTutlmE