quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Dia especial



Eu fingi que não ouvi aquela cantada barata. Ainda era cedo demais para aquele tipo de comportamento e mesmo que fosse tarde ela não funcionaria. Virei o rosto e olhei a janela; o dia estava lindo demais para estar repleto de salas fechadas. Ele começou a cantarolar um pedaço de uma musica calma que parecia conhecida. E me olhava, a cada nota, um assobio e uma súplica nos olhos, que riam da minha ingenuidade talvez. Virei os meus em um sinal de total desprezo por aquele ato e ele riu alto. Contorci-me de raiva, o ônibus já estava cheio e estar sentada, mesmo que do lado dele, era um privilégio para poucos. O som tornou a ser soprado dessa vez na forma de versos – “Se alguém já te deu a mão e não pediu mais nada em troca, pense bem, pois é um dia especial”. Era um idiota com ótimo gosto musical, pensei.
Ele parou e fechou os olhos. E eu fiz o mesmo, pensando no seu sorriso e na forma como ele proclamava aqueles versos, tanta propriedade que se assemelhava ao próprio Tiago. Sua barba mal feita me trazia à lembrança o desleixo de uma criança. Peguei-me cantando a mesma musica; “O amor é maior que tudo, do que todos, até a dor se vai quando o olhar é natural”. Aqueles olhos fitaram uma versão minha totalmente assustada com a própria imaturidade. Ele riu e de maneira contestadora levantou a sobrancelha. Nada precisou ser dito pra que eu entendesse aquela provocação e pela primeira vez no dia quis rir. Nesse momento, a barreira final foi quebrada quando ele tocou minha mão e perguntou numa sutileza sem tamanho se eu não me lembrava dele.
Vasculhei em cada esquina do meu turbilhão de memórias e encontrei o menino mais doce que ele podia ser. Perdi-me nas inúmeras vezes em que brincamos e no tanto que compartilhamos. A sua partida havia quebrado minha expectativa de um dia encontrá-lo assim. Como pude me esquecer daqueles olhos castanhos tão profundos e sinceros, aquele riso frouxo; como consegui me esquecer daquele sorriso. Meus olhos se encheram de lágrimas, e ignorando a sua mão estendida me atirei no abraço mais saudoso dos meus anos. Entre o choro eu pude ouvir um “me desculpe” triste e terno. E eu apenas respondi “eu te amo”. 

P.S: "Dia especial", a música citada durante o texto, é do Tiago Iorc. Segue o link: https://www.youtube.com/watch?v=y0wzDTutlmE
            

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