Eu fingi que
não ouvi aquela cantada barata. Ainda era cedo demais para aquele tipo de comportamento
e mesmo que fosse tarde ela não funcionaria. Virei o rosto e olhei a janela; o
dia estava lindo demais para estar repleto de salas fechadas. Ele começou a
cantarolar um pedaço de uma musica calma que parecia conhecida. E me olhava, a
cada nota, um assobio e uma súplica nos olhos, que riam da minha ingenuidade
talvez. Virei os meus em um sinal de total desprezo por aquele ato e ele riu
alto. Contorci-me de raiva, o ônibus já estava cheio e estar sentada, mesmo que
do lado dele, era um privilégio para poucos. O som tornou a ser soprado dessa
vez na forma de versos – “Se alguém já te deu a mão e não pediu mais nada em
troca, pense bem, pois é um dia especial”. Era um idiota com ótimo gosto
musical, pensei.
Ele parou e fechou
os olhos. E eu fiz o mesmo, pensando no seu sorriso e na forma como ele proclamava
aqueles versos, tanta propriedade que se assemelhava ao próprio Tiago. Sua
barba mal feita me trazia à lembrança o desleixo de uma criança. Peguei-me
cantando a mesma musica; “O amor é maior que tudo, do que todos, até a dor se
vai quando o olhar é natural”. Aqueles olhos fitaram uma versão minha totalmente
assustada com a própria imaturidade. Ele riu e de maneira contestadora levantou
a sobrancelha. Nada precisou ser dito pra que eu entendesse aquela provocação e
pela primeira vez no dia quis rir. Nesse momento, a barreira final foi quebrada
quando ele tocou minha mão e perguntou numa sutileza sem tamanho se eu não me lembrava
dele.
Vasculhei em
cada esquina do meu turbilhão de memórias e encontrei o menino mais doce que
ele podia ser. Perdi-me nas inúmeras vezes em que brincamos e no tanto que
compartilhamos. A sua partida havia quebrado minha expectativa de um dia
encontrá-lo assim. Como pude me esquecer daqueles olhos castanhos tão profundos
e sinceros, aquele riso frouxo; como consegui me esquecer daquele sorriso. Meus
olhos se encheram de lágrimas, e ignorando a sua mão estendida me atirei no
abraço mais saudoso dos meus anos. Entre o choro eu pude ouvir um “me desculpe”
triste e terno. E eu apenas respondi “eu te amo”.
P.S: "Dia especial", a música citada durante o texto, é do Tiago Iorc. Segue o link: https://www.youtube.com/watch?v=y0wzDTutlmE
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