quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Um dia frio



A chuva caiu de uma maneira assustadora para quem passara a semana debaixo de um sol digno de verão carioca. Eu subi no metrô apressado; corri pelas ruas da Zona Sul até chegar à primeira estação visível. Não estava de casaco quando sai do trabalho, apesar de ter um na mochila. Desci a escada rolante, passei na roleta, entrei no metrô. O ar gelou meus braços ainda molhados da chuva e coloquei o casaco, tentando tirar dele todo o peso das recordações que trazia. Eu havia feito uma viagem com alguém; voltei do Peru sem ninguém, mas, com aquele casaco. Balancei o, amassado da mochila, e me permiti relaxar. O metrô deveria estar bem mais cheio do que estava realmente e me perdi nas lembranças do dia a dia maçante e cansativo. 
O metrô parou e abriu numa estação que eu não me recordo e entraram dentre todos os outros, três meninas, completamente encharcadas. As gotas da chuva caiam pelo rosto de uma delas contornando seu sorriso grande e sincero. Ela era linda e pude ouvir seu nome quando sua amiga o disse, Ana. Era o nome de minha mãe e passei a me sentir muito responsável por ela. Talvez fosse o amor batendo as portas, sempre fui um garoto tímido, mas sempre tive muita facilidade em me apaixonar. Ela era linda e estava tremendo de frio agora. Decidi tomar a decisão mais impulsiva da minha vida e olhei pra ela, ela me olhou de volta. Eu toquei seu ombro, sorri com toda a graça que podia, e perguntei se ela queria meu casaco. Aquele casaco tão cheio de memórias póstumas agora tinha um novo objetivo: Aquecer, ou tentar, aquele ser perfeito em suas roupas molhadas e em bater de dentes. Seus olhos expressaram a gratidão mais sincera que eu poderia receber daquela proposta e ela o recusou. Disse que eu era fofo, que tipo de adjetivo era esse e o que significava eram indagações que  não tinham respostas.
Eu desci do metrô antes dela e me despedi apenas com um sorriso preso no olhar. Não queria ir, quis dizer a ela o quanto eu queria que ela ficasse com casaco, o quanto eu queria esquecer-me de pegá-lo porque talvez assim, nos víssemos de novo. Mas não disse, eu fui embora apenas com a lembrança daquela menina.   

P.S: Esse texto é dedicado à minha grande amiga Ana Clara

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Recomeço



Coloquei os fones e tirei o livro da bolsa com intuito de passar o tempo, a viagem era longa, de no mínimo uma hora. Não conhecia ninguém no vagão e nem estava disposta a conhecer; olhei de canto a canto dos meus óculos na esperança de não ser reconhecida, e não fui. “Baby, I know places we won´t be found in”, a música dizia. No mesmo instante, eu lia as tristes e valorosas palavras de Anne em seu cativeiro “Trens carregados de jovens partem todos os dias. Alguns tentam fugir...”; e lá estava eu, em um trem, fugindo. Partir e chegar parecem palavras antônimas, entretanto, caminham lado a lado no mundo exterior à sintaxe.  Era verdade, eu estava recomeçando, o que certamente significava que algo tinha acabado.
Tentei não pensar naquilo, fechei o livro e voltei a olhar meus ilustres companheiros de vagão. Havia cerca de cinco pessoas à minha vista: Uma família, uma senhora e um rapaz. Prestei atenção nos primeiros, talvez estivesse sendo intrometida, mas continuei a olhá-los por dois motivos, nunca fui o tipo de garota envergonhada e adorava aquele tipo de jogo. Tinha como melhores personagens os gênios do suspense como Sherlock e Poirot. A criança sorriu pra mim e eu desviei o olhar no instinto mais primitivo possível. Arrependi-me, e a olhei novamente, mas, não nos encontramos. Sua mãe lhe ofereceu um pacote de biscoitos enquanto seu pai falava rispidamente com alguém no telefone. Lembrei-me do motivo, precisava sair daquela cidade tão barulhenta, cinza e monótona.
Passei à senhora de cabelos longos e cinzentos, que carregava no olhar as marcas de uma vida vivida com alegria, daria tudo por aquele tipo de experiência no momento. Ela olhava a menina encantada com sua risada e fazia de tudo para que ela não parasse. Eu ri, talvez alto demais, já que em seguida o rapaz ao meu lado disse que sentia saudade da sua avó. Queria dizer a ele que esperasse sua vez de ser percebido, mas, seu comentário foi tão puro e sincero que apenas sorri de volta. Sua jaqueta de couro contrastava tanto com aquela ultima fala que entrei em profunda admiração pelo ser; fiquei assustada por aquela frase ter quebrado todas as barreiras que eu tinha erguido ao entrar no trem. Ouvi o sinal tocar e o condutor avisar o final da viagem. Levantei, arrumei meu vestido, tirei os fones e me voltei ao banco onde se encontrava uma carteira de couro que combinava com o da jaqueta. Tentei alcançá-lo, mas, o jeito foi devolver a ele duas semanas depois, no bistrô da cidadezinha.


P.S: Fica aqui a recomendação do álbum 1989 da Taylor Swift e o diário de Anne Frank como dica literária.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Under one umbrella




Era um sábado de manhã, estava caminhando naquele parque durante duas horas e nada parecia ter mudado. Eu vi algumas pessoas com seus cachorros e outras com suas crianças, eu podia sentir o cheiro do pão que indicava o amanhecer e tentava desesperadamente não pisar nas poças de água já acumuladas. Havia chovido, mas o sol já aparecia timidamente entre as nebulosas fendas de um céu escuro. Estava ali pra tentar esquecer todo resto, era meu local favorito desde que tinha me mudado, no entanto, nada parecia cooperar. As risadas das crianças me faziam sentir novamente na infância, quando meus pais ainda me carregavam para locais como aquele; mesmo que arrastada sempre era persuadida a ficar. E ficava e como queria voltar agora, daria tudo por mais um momento daqueles.  Lembrar-me deles com a perda tão recente de meus pais parecia cruel demais, entretanto tentar esquecê-los não fazia muito sentido.
Por isso continuei caminhando naquele parque, tinha a desculpa perfeita de me esquecer com todos aqueles detalhes que me faziam lembrar. Era o paradoxo mais gostoso que eu já havia feito. O ventou soprou mais forte banindo esse pensamento e me fazendo olhar fixamente  para o café no qual todos as mesas viraram. Fui me afastando enquanto ouvia o dono reclamar no mais alto nível que horário permitia e senti o primeiro pingo. Caiu tão friamente na minha bochecha vermelha que tentava, com todas as forças, se recuperar de todo o choro semanal. O sol se esvaiu com a mesma fluidez com que se tornou visível e cedeu o seu lugar às insistentes nuvens negras que persistiam em tornar meu dia ainda pior. A chuva veio com uma veracidade maior que a dos meus pensamentos inquietos e tomou todo o parque. A maioria das pessoas saiu correndo tentando proteger seus cachorros e filhos, mas, eu não.
Eu continuei caminhando naquele parque sem nenhum aparente motivo já que meu paradoxo havia saído atrás de um local coberto. Fiquei ensopada em alguns minutos e podia ouvir minha mãe na porta me dizendo pra entrar; meu paradoxo havia voltado e por isso continuei caminhando. Percebia o balanço das árvores e o cair das folhas quando senti um toque no ombro; a mão era firme e quente, mas, foi superada pelo imenso sorriso que se seguira. Ele diz bom dia, e eu respondo. E sem mais nenhuma palavra ele me colocou dentro de seu guarda-chuva e caminhou comigo, comentando sobre o clima e seus restaurantes favoritos. No inicio me senti acuada e respondia educadamente, entretanto, quando comecei a interagir senti o que tanto necessitava desde a morte de meus pais, acolhimento. 

 Esse texto foi inspirado no quadro acima "under one umbrella" de Leonida Fremov  

O parquinho



Queria que essa história fosse sobre alguma coisa realmente importante. Algo que falasse dos problemas do mundo e que propusesse soluções. Entretanto, na verdade, ela é simplesmente sobre um parquinho. Aqueles onde as crianças brincam. Eu mesmo já brinquei lá várias vezes. Lembro-me de sempre preferir o balanço, era como dançar. De um lado pro outro ao som de um jazz cativante que te faz apaixonar. O amor, um caso a parte, também era como jazz e por incrível que pareça como aquele balanço. E eu digo isso porque nesse parquinho, eu me deixei envolver por esse amor, o amor de alguém que me fez voar. Mais do que isso, dançar entre as estrelas e ter um dos melhores momentos da minha vida.
A vida é feita desses pequenos momentos e é disso que aquele parquinho é feito. Pais e filhos cuidando e sendo cuidados. O vento que bate no seu rosto em um balanço. O frio na barriga de uma gangorra. Os pensamentos ou falta deles que um escorrega representa. Um castelo de areia, de sonhos.  Todos esses são momentos que podem ou não ser esquecíveis. Talvez, tenhamos uma vida de nenhuma grande realização, sem nada aparentemente especial, mas, são momentos assim que nos fazem ter uma vida feliz, momentos que nos fazem voar. Por esse motivo, eu tenho muitas razões para acreditar que aquele parquinho é mágico. Ele é capaz de transformar dias ruins em bons, choros em sorrisos e tédio em diversão. Não sei como passaria pela infância sem ele e nem como as outras pessoas conseguem.             
 A verdade é que vivemos em um mundo cheio de surpresas, e felizmente, nem sempre elas são ruins. Aquele parquinho e o tempo lá passado são algumas dessas surpresas. E os pequenos e lindos momentos que guardamos são uma prova de amor, que garantem a felicidade; duas das coisas mais fundamentais da vida. Apesar de tudo, no final, acho que encontramos a solução dos problemas, o bom e velho amor.