terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Recomeço



Coloquei os fones e tirei o livro da bolsa com intuito de passar o tempo, a viagem era longa, de no mínimo uma hora. Não conhecia ninguém no vagão e nem estava disposta a conhecer; olhei de canto a canto dos meus óculos na esperança de não ser reconhecida, e não fui. “Baby, I know places we won´t be found in”, a música dizia. No mesmo instante, eu lia as tristes e valorosas palavras de Anne em seu cativeiro “Trens carregados de jovens partem todos os dias. Alguns tentam fugir...”; e lá estava eu, em um trem, fugindo. Partir e chegar parecem palavras antônimas, entretanto, caminham lado a lado no mundo exterior à sintaxe.  Era verdade, eu estava recomeçando, o que certamente significava que algo tinha acabado.
Tentei não pensar naquilo, fechei o livro e voltei a olhar meus ilustres companheiros de vagão. Havia cerca de cinco pessoas à minha vista: Uma família, uma senhora e um rapaz. Prestei atenção nos primeiros, talvez estivesse sendo intrometida, mas continuei a olhá-los por dois motivos, nunca fui o tipo de garota envergonhada e adorava aquele tipo de jogo. Tinha como melhores personagens os gênios do suspense como Sherlock e Poirot. A criança sorriu pra mim e eu desviei o olhar no instinto mais primitivo possível. Arrependi-me, e a olhei novamente, mas, não nos encontramos. Sua mãe lhe ofereceu um pacote de biscoitos enquanto seu pai falava rispidamente com alguém no telefone. Lembrei-me do motivo, precisava sair daquela cidade tão barulhenta, cinza e monótona.
Passei à senhora de cabelos longos e cinzentos, que carregava no olhar as marcas de uma vida vivida com alegria, daria tudo por aquele tipo de experiência no momento. Ela olhava a menina encantada com sua risada e fazia de tudo para que ela não parasse. Eu ri, talvez alto demais, já que em seguida o rapaz ao meu lado disse que sentia saudade da sua avó. Queria dizer a ele que esperasse sua vez de ser percebido, mas, seu comentário foi tão puro e sincero que apenas sorri de volta. Sua jaqueta de couro contrastava tanto com aquela ultima fala que entrei em profunda admiração pelo ser; fiquei assustada por aquela frase ter quebrado todas as barreiras que eu tinha erguido ao entrar no trem. Ouvi o sinal tocar e o condutor avisar o final da viagem. Levantei, arrumei meu vestido, tirei os fones e me voltei ao banco onde se encontrava uma carteira de couro que combinava com o da jaqueta. Tentei alcançá-lo, mas, o jeito foi devolver a ele duas semanas depois, no bistrô da cidadezinha.


P.S: Fica aqui a recomendação do álbum 1989 da Taylor Swift e o diário de Anne Frank como dica literária.

Nenhum comentário:

Postar um comentário