quinta-feira, 9 de julho de 2015

Inverno interiorano


         Pensava nas bonitas manhãs de um inverno interiorano; suas brisas frias e pequenos raios de sol que se esticavam ao máximo a fim de iluminar certos olhos, esquentar certas mãos e tornar o respirar menos denso. Queria uma manhã daquela, mas não a tinha. Ao contrário, existiam tantos raios de sol que ninguém poderia ser considerado especial ao ser tocado por um. Não, isso não é uma reclamação; trata-se apenas de uma consideração sobre a inconstância do clima. Pode parecer geografia, mas, essa nunca se mostrou uma matéria de fácil compreensão; para mim é literatura, não por ser fácil compreender, mas, por ser bonito, e por te tornar especial. Existem livros e livros com detalhadas descrições de relevo, clima, precisando corretamente todos os pontos devastadores de uma natureza incansavelmente bela; isso é tudo o que eu consigo escrever sobre o hoje, é bonito, azul e definitivamente não é um inverno interiorano. Continuava meus devaneios quando fui retirada deles por um encontrão.  Não ouvi nenhum pedido de desculpas e continuei a andar nas ruas apertadas da capital. Onde estão meus óculos? – perguntei a mim mesmo em um tom mais alto do que eu queria.
            Meus óculos não estavam lá e apesar de parecer que eu não precisava deles, eu precisava. Dei meia volta, 180°. Fui correndo dessa vez, estava atrasada demais pra pensar na minha falta de preparo físico e nos saltos do meu sapato. Aqueles paços largos me fizeram cair nos braços de um alguém familiar. Parecia que eu já havia visto aqueles olhos – o rapaz do encontrão, penso eu. Dessa vez não teve jeito, eu tive que pedir desculpa. Ele me olhou, me ergueu e não disse uma palavra.  Continuou andando, nem se virou, nem sussurrou nada. Fiquei surpresa com a total falta de comunicação do ser. Desisti dos óculos, voltei na direção de onde eu vinha. O sol brilhava mais que nunca e eu dizia baixinho - Me torne menos especial e brilhe um pouco menos. Meu inverno interiorano se esvaia cada vez mais quando eu voltei a trombar com a mesma pessoa, pela terceira vez. A pancada dessa vez foi tão forte que ambos caímos no chão.
Ele me olhou de um jeito que ainda não tinha feito, levantou e me ajudou a fazer o mesmo. Eu que não diria mais nada a ele já me virara e continuara a andar quando senti sua mão no me braço. Virei, ele sorriu. Tentei com todas as forças não sorrir hoje, mas, a vida continua me dando essas várias oportunidades – ele disse. Eu sorri.  Senti-me especial como numa manhã de inverno interiorano.

terça-feira, 7 de julho de 2015

Antes do quê?

     Escutei uma buzina no fundo de um pensamento vago e distante, percebendo só então que a realidade havia sido trocada por aquele mesmo pensamento. Eu que antes me via num mundo de realizações, a mais doce utopia, agora me via sendo puxada por aquele som tão nostálgico, de certa forma, ao que chamam de mundo real. Repetiu-se; mais demorado, agudo e justificado por uma luz que refletiu o verde dos mais belos pastos. Era também verde, um tipo de sinal, sim, era esse o nome. Eu enfim olhei ao redor e notei que estava dentro do carro, do mesmo carro de antes. Antes – antes do quê? Talvez fosse depois, depois do sonho. Tentava fazer o carro andar quando mais uma vez escutei aquele barulho enlouquecedor que vinha provavelmente de alguém impaciente. Impaciência palavra que descrevia o estado de espírito de cada ser no mundo fora do sonho. O que era sonho ou realidade eu já não sabia. Durante aqueles poucos minutos eu pude ter alegria de sentir a realidade como a utopia e vice versa.
        Vaguei pela cidade como se fosse a primeira vez depois de anos sem notá-la. Tentava captar suas luzes e abri as janelas pra sentir o seu vento. Fechei os olhos mesmo sabendo que não podia e por um momento estive de volta lá, na utopia mais doce. Ouço mais uma vez o barulho, o mesmo de antes. Vejo-me voltando a abrir os olhos, como se estivesse desligando alguma coisa, do jeito mais demorado possível. Quando enfim os abro já nada mais via além de luzes tão próximas e nada mais ouvia além da buzina. Acordei, pensava eu. Não, estava enganada; eu dormia, só não sabia.
         O barulho cessara, a luz não. Ainda refletia em meus olhos, podia senti-las mesmo quando ainda ponderava na possibilidade de não os abrir.  O cheiro não era bom e aos poucos, como minha visão turva, voltei a sentir meus membros. Olhei ao redor e preferia fechá-los novamente, voltar de onde eu vim. No entanto, não era possível, aquele era o fim dos meus desvios de realidade frequentes. Aprendi da pior maneira, do jeito mais doloroso. Chorava, não pela dor física, mas, por estar ali abrindo mão da realidade que eu queria. Fechei os olhos e voltei a ela mais uma vez, desejando não deixá-la. Escutei uma buzina no fundo de um pensamento vago e distante, percebendo só então que a realidade havia sido trocada por aquele mesmo pensamento.