quarta-feira, 20 de maio de 2015

Bucolismo



          Abri os olhos como se os tivesse fechado há segundos atrás, as noites se tornavam cada vez menores e os dias intermináveis. A vida adulta se tornou um cargo pesado demais para uma menina que carecia de maturidade; fez-se valer, no entanto, a necessidade de se viver, sobreviver. Era o que eu fazia agora, sobrevivia em um mundo destruidor de sonhos e gerador de constantes declínios. Confesso que é uma visão bastante pessimista, melancólica e talvez poética demais, mas tudo o que eu já fui vem acompanhado de seguidas metáforas. O dia seguia azul e incandescente demais para o meu estado de espírito. Caminhei em direção ao carro, já pensando na seleção de músicas tristes a serem ouvidas no longo caminho da viagem. Não queria me mudar, não queria que nada mudasse. Entretanto, lá estava eu, indo em direção à um novo futuro, uma nova casa, um  nova vida.
             As perspectivas não eram muito boas; deixar tudo aqui em busca de um sonho parecia uma alternativa razoável antes. Agora, não. Não naquele momento, talvez não fosse capaz de partir com o amor aqui. Eram muitas suposições e pouco tempo de decifrá-las. Liguei o carro e parti, não era definitivo ainda, mas parti.  Meus pensamentos tentavam a todo o momento voltar e me fazer dizer adeus, eu não era capaz então os desviava sempre. Olhei pro lado e vi, um dos momentos mais bonitos da minha vida. Estacionei e sai do carro pra perceber o calor da manhã invadindo as montanhas e a cidade ao fundo. Foi uma cena devastadora que demonstrava a grandiosidade da natureza; naquele instante soube que não estava sozinha e o meu coração se encheu de paz.
              Permaneci ali durante um bom tempo, contemplando um amanhecer cheio de cor, de vida. Quase me tornei uma espécie de bucolista. Aquele seria meu lugar de transformação, onde a vida mudaria, onde eu não deixaria ninguém para trás apenas alcançaria o que há a frente. Senti a brisa, os raios de um sol quente e prossegui rumo ao futuro, rumo à felicidade.     

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Comunicação não-verbal



Parecia um ambiente agradável, mas não me senti à vontade quando sentei na cadeira. Eu havia chegado cedo demais e a banda ainda nem começara a tocar. Eu ouvi o  trompetista afinando seu instrumento quando o garçom perguntou se eu queria alguma coisa; uma água, eu disse. Ele a trouxe quase instantaneamente, eu agradeci. O piano iniciou uma melodia detalhista, concentrada, que eu conhecia pelo nome. O cantor não cantava com a autenticidade do King Cole, mas, a melodia era gostosa e fez lembrar-me de quando meu pai me rodopiava pela sala nos seus pés. Fui interrompida por um sorriso estupidamente largo e bruto, seguido por uma mão gentil pousada em frente a mim; ele a estendia de forma simples e ágil, como se fizesse o mesmo ato todas as noites. Ele falou alguma coisa enquanto eu estava perdida nas minhas observações; eu balancei minha cabeça.
Fui puxada pelas mesmas mãos e logo percebi que tinha aceitado uma dança. Não havia ninguém dançando, fomos os primeiros. Ele me conduzia de forma agradável: A brutalidade das mãos não combinava com seus paços suaves. Ele não era autoritário; propunha o passo e cabia a mim segui-lo ou não. Eu sempre o fazia, claro, por dois principais motivos: minha falta de inclinação e talento para qualquer atividade motora, e o seu olhar era singelo demais para que eu o recusasse assim. Talvez eu encontrasse o amor ali, me via apaixonando-me a cada balanço da dança. Seus braços envolviam minha cintura e eu sentia seu respirar quente e úmido no meu pescoço. Aquilo me fez esquecer o real motivo da minha vinda ali. Enquanto ainda rodopiava pelo salão, uma segunda mão tocou meu ombro, quase não a senti, ela era franzina, negligente e conhecida.
Pedi licença ao meu parceiro de dança e segui aquelas mãos até uma mesa. Trocamos algumas palavras e eu tirei da bolsa o anel, ainda quente do uso. Entreguei-lhe deixando ali qualquer magoa dos meses passados, um noivado terminado e a tristeza da perda. Sorrimos um para o outro, ele pegou minha mão e a beijou, dizendo naquele gesto que um dia disse olá, um adeus sincero e melancólico. Ele havia partido e eu me via sucumbir em lágrimas quando senti novamente as brutas mãos no meu ombro. Eu sorri, agradeci e dancei o resto da noite.

Crônicas, etc e tal



Escrever crônicas é uma tarefa árdua e por isso fico muito impressionada com a destreza de alguns em realizá-la. Significa partir do principio que sua vida é interessante a ponto de compartilhá-la com leitores ou ter capacidade  suficiente de assim torná-la na pura habilidade da linguagem. Ah como é lindo transformar por de sol em metáfora e criar sonetos, versos, poemas. Entretanto, não existe estilo linguístico mais difícil e por mim apreciado  do que empenhar tão bem  figuras a fim de disfarçar sua pura, preconceituosa e defeituosa visão de vida. Somos humanos, seres imperfeitos e ainda sim não há como ler uma boa crônica e não se identificar com o dia a dia do escritor. Seja nos anos 40, 50 ou agora, somos todos cariocas. Seja na cidade, no campo, somos todos brasileiros. Tenhamos nós 20, 30 ou 40 anos, ainda somos pessoas; andando pela cidade, pelo campo e talvez tendo historias a serem contadas dos 40 e 50.
Como posso eu não amar o amor dos compositores e dos cronistas por Copacabana, Ipanema e Leblon. Não existem maneiras de fazer me desgostar do seu cuidado ao descrever um sorriso de uma criança ou da sua aparente indiferença ao falar sobre amores passados, amores presentes e amores futuros. Estudá-los e entender o porquê de cada palavra seria um dos meus maiores privilégios, mas, acho que não são esses os seus objetivos. As crônicas não são escritas para durarem séculos e serem consideradas trechos imaculados da literatura. Provavelmente uma crônica escrita hoje por algum bom cronista não será lembrada daqui a alguns anos em consenso pela população. Entretanto, o texto certo lido pelo individuo certo, nunca será esquecido. Será reelido, passado a adiante e marcará uma determinada época; pra aquela pessoa não existe texto melhor que a defina.    
Essa individualidade, esse amor por compartilhar e o grau de conexão que uma crônica pode apresentar são os principais motivos pelos quais eu me apaixono cada vez mais por esse estilo. Encontrei-me em estado de euforia quando Rubem Braga decidiu antecipar em 58 anos uma das minhas decepções amorosas. Foi incrível perceber sua sensibilidade em descrever seus detalhes e sua precisão em prever seu final. “Não Ameis a Distância!” afundou-me ainda mais quando lida pela primeira vez, no entanto, fez-se em total sentido depois de reelida algumas vezes.Conclui-se que eu credito muito crônicas, porque são feitas de verdade e ainda sim são repletas de confissões, segredos, memórias. E na falta de um cronista presente, o final desse texto é só mais um.