quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Desperdício


Eu, que durante tanto tempo acreditei no propósito maior da linguagem, trazia agora a carga de tê-la usado sem pudor. Eu, que acreditei tanto no amor, não fazia dele um bom proveito. Sempre me questionei em relação aos desperdícios que eu fizera na vida, esse era só mais um deles. Andava na rua tentando não sucumbir em melancolia – pelas coisas ditas, pelo amor vivido. Se antes no amor eu vivia, agora nem vivo mais. Existia apenas. Levava os dias existindo neles, nunca apreciava demais alguma atividade ou me deixava ser entristecida por outra. Caminhava, porque caminhar faz bem. Comia, porque era essencial. Sorria, porque, às vezes, era inevitável. De resto, eu nada fazia.  

A vida era dura demais para minha sensibilidade sem limites. Nenhum desastre havia acontecido; eu apenas me esvaia na ilusão das minhas questões, mais uma vez. Pensava em tudo isso sentada nas cadeiras de uma praça qualquer, enquanto pulava mais uma refeição no dia. Eu vi crianças brincando em um parquinho próximo, e me esvai na pureza de suas risadas. Eu vi idosos fazendo exercícios, e me esvai no amor que eles tinham pela vida. Descobri que era uma atividade prazerosa e então, observei cada pessoa que passava e as admirava por algum motivo qualquer. Dentre todas as coisas que eu poderia fazer me esvair na felicidade alheia foi o que eu escolhi.

Eu sentava no mesmo lugar, no mesmo horário, todos os dias, e sorria. Sorria porque era sempre inevitável. Os idosos me chamavam pelo nome e eu brincava com as crianças todas as tardes. Redescobri o amor pela vida. Percebi que o maior desperdício era viver sem ser feliz.

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