segunda-feira, 10 de agosto de 2020

prosa

 

    Toda vez que leio um bom livro escrito em prosa fico tentando adaptar o gênero literário à minha vida. Vejo um nascer do sol comum, ordinário, e inicio em minha mente uma descrição detalhada das suas cores e de como cada uma delas realça um novo sentimento em mim. Vejo uma criança andando na rua e minha mente vaga pelas histórias desconhecidas por mim, e provavelmente por ela, do que ainda virá em sua vida. Tento a cada simples ato cotidiano buscar uma nova maneira de exaltar beleza nas pequenas coisas. Eu fico assim durante um tempo e depois, conforme o efeito literário passa, eu volta a ver as coisas com um olhar menos sensível. Isso é bom e é ruim. 

    Quando trabalhamos com pessoas de forma geral precisamos de um alto grau de empatia, o que as vezes é tão difícil pra nós. São tantas realidades diferentes, e as vezes não nos vemos em nenhuma delas. E quando isso de fato acontece, quando nos encontramos em histórias compartilhadas, choramos, sofremos e indagamos porque tamanha frustração na vida. Ao mesmo tempo precisamos ser práticos, entender quando podemos ou não ajudar,  manejar as questões burocráticas e torcer pra que a empatia, antes tanta, não se esvaia no nosso mecanismo diário de trabalho quando não nos reconhecemos em olhares alheios. É difícil equilibrar, confesso. 

    Acredito que seja um fardo para todos e não meu especificamente. Talvez isso tire um pouco a autenticidade desse texto, talvez de mim, mas não me importo. Geralmente escrevo pelo desejo de guardar sentimentos em mim, mesmo os não autênticos. E nesse ímpeto de escrever de forma tão tocante quanto os livros que leio percebo que minha vida em nada é interessante. Digo do meu ponto de vista, fadado ao viés. Então prefiro descrever o nascer do sol, as crianças na rua e por fim, as histórias marcantes dos pacientes queridos que passam por mim. Esses sim, tão especiais e cheios de histórias que merecem um livro de prosa. Todos unidos pelo meu olhar ingênuo, minha escrita desprovida de forma e meus sentimentos imaturos. No final, viram um pouco minhas histórias, eu acho. 

    Nesse mundo tão voltado para nós mesmos, tendo sentido prazer em reparar nos outros. Nem sempre consigo, é verdade, mas juro que tento. Examino, escuto, estudo. Alguns pacientes trazem sentimentos bons, outros ruins, mas a interação é fundamental. De volta ao trabalho sigo feliz podendo reparar em pessoas desconhecidas, buscando olhares parecidos e diferentes, ansiosa pra ouvir novas histórias, e claro, poder ajudar de alguma forma. Penso que são tantas histórias que ainda virão; me sinto um pouco como a criança do começo do texto, sem sabê-las, porém disposta a conhecê-las. Isso dá um pouco de esperança, eu imagino. A esperança de ouvir ainda novas histórias lindas e reais é bom motivo para procurá-las...