terça-feira, 25 de agosto de 2015

Olhar listrado, casaco verde

                 “Desculpe senhora, não temos mais esse modelo. Edição especial.” É verdade, tinha sido uma edição especial. Eu e a balconista concordávamos, por mais que estivéssemos falando de coisas absurdamente diferentes.  Sai da loja desapontada com mais coisas do que eu esperava. Talvez eu não tivesse a capacidade, talvez fosse só o medo. Jamais saberia agora o que poderia ter acontecido. Não existem maneiras de prever o que não foi, de explorar possibilidades do que não existe mais. Como aprender a questionar o não há mais necessidade de o ser. A vida havia sido dura demais para mim; vivia murmurando contra a mesma. O meu constante ato de protesto, penso eu. Não importa muito o que eu penso, só o que eu faço. Eu nada faço, no entanto, o que talvez seja minha sentença de inutilidade. O ato de andar na rua se faz  monótono demais para se praticar sem minhas constantes teorias. Acabo o fazendo sem perceber. Presto atenção no que não devia. Os olhos espremidos de uma criança choramingando, os pés finos e compridos da moça na minha  frente, os flashes de um casaco listrado no meio da multidão. Não presto atenção no que devia. Quase tinha sido atropelada por uma bicicleta, pisaram algumas vezes nos meus sapatos novos e havia sido empurrada contra uma pessoa de forma involuntária. Olha a rua, repetia para mim mais vezes do que queria.  
         Continuo a andar e percebo em um olhar muito rápido o rosto de um velho conhecido. Os flashes do casaco se misturam com o listrado do olhar. Tento aos poucos o alcançar e quando quase consigo começo a pensar nas consequências do seguinte ato. Paro e penso - palavras quase nunca vistas na mesma sentença antes. Parada no meio da rua, desencontrada no meio dos meus conflitantes pensamentos e sentimentos. Desencontrada era a minha definição. Queria eu, no entanto, ser encontrada? Não saberia dizer com precisão. Andei, tentando em segundos tomar uma decisão importante. Não era boa em tomar decisões, nunca havia sido.                                                    
       Talvez pudesse me arrepender depois. No entanto, voltei a andar determinada dessa vez. Porque não haveria de olhá-lo uma última vez? Não havia motivos plausíveis. Talvez pudesse até ouvir sua voz trêmula como a minha e me ver refletida naqueles olhos listrados.  Pensava em todos os detalhes do seguinte encontro enquanto o mesmo se aproximava. Toquei seu ombro. Ele se virou. “Desculpe senhor, pensei que era outra pessoa.”